SUPERPRODUÇÃO

Elizabete mal podia acreditar.Era sua primeira vez em um programa de televisão. Havia viajado quilômetros e quilômetros de distância desde sua cidade natal, no interior de Minas Gerais, até o Rio de Janeiro. Sua tia Sueli concordou em recebê-la por alguns dias em sua casa. Ela estava eufórica: era seu programa dominical favorito, ela tinha ficado na fila de espera por 6 meses até ser chamada, mal pôde dormir na noite anterior à gravação do programa.

Às 7h30 da manhã Elizabeth já estava de pé: banho tomado, unhas e cabelos feitos, vestido muito bem escolhido. Comia um pedaço de pão e bebia uma xícara de café com todo o cuidado do mundo para não se sujar. Sua amiga Waldinéia iria passar de carro para buscá-la às 8h00 em ponto. A gravação duraria um dia inteiro. No roteiro, uma entrevista com seu ator favorito: Luiz Augusto da Silva. Apresentação musical com a dupla sertaneja Chororo e Chiriri. Jogos com os atores da novela das 6.

Ela estava louca para aparecer na televisão. O pessoal de Três Corações mal iria acreditar: seria sucesso total na cidade.

Às 8h10 Waldinéia passou na portaria do prédio de fusca e as duas foram juntas e felizes assistir à gravação, em um grande auditório na zona oeste da cidade. Ficaram muito preocupadas, porque foi difícil conseguir uma vaga para o carro, mas no final das contas tudo deu certo.

O apresentador Teófilo Rui, com seu terno azul marinho muito bem cortado, entra em cena com a primeira atração: a cantora Irene Passos. Ela cantou um de seus sucessos, “Joaninha Serelepe”, a música favorita de Elizabete, e depois participou de um quadro onde pessoas de seu passado apareciam no vídeo de surpresa, fazendo comentários sobre sua infância e adolescência. Mais tarde começou o tal do jogo com os atores da novela das seis, dentre eles Otávio Marcos, o galã do momento: ela correu até ele após a gravação do quadro, para tentar uma selfie e um autógrafo, mas o segurança nem lhe deu  chance, a fazendo voltar tristinha para seu lugar.... Mas só de ter conseguido um sorriso e uma piscadela do ator, já ganhou o dia. “Break” para o almoço: todos os participantes do auditório entraram em uma imensa fila para pegarem um suco de uva quente e um sanduíche de pão de forma com queijo e mortadela. Tudo era festa para Elizabete e Waldinéia.

Na parte da tarde, a entrevista com Luiz Augusto da Silva: nossa como ele era lindo, aquela voz, aquele corpo, os cabelos, os olhos.... Waldinéia e Elizabete não paravam de suspirar. Aí sim conseguiram furar o cerco da segurança para tirar uma selfie: momento de pura emoção.

E o dia passou assim, até que as gravações acabaram por volta das 7 da noite. Ao saírem em busca do fusca de Waldinéia, perceberam que o mesmo estava com um dos pneus furados. “Droga! “, disseram as duas em coro. O seguro não estava pago, consequentemente esquece reboque. Elas pegaram o estepe, o macaco, sujaram-se inteiras, mas nada de conseguirem trocar o pneu. O local onde Waldinéia havia parado o fusca era deserto e distante, ninguém passava por ali. Já eram 10 da noite, seus celulares não pegavam. Até que ouviram uma voz masculina vindo de longe e resolveram seguí-la até que..... “Oi! De onde vocês surgiram? Tá escuro aqui, né? Rs....” As duas mal conseguiam respirar: era Luiz Augusto da Silva e mais dois atores do elenco de apoio da novela das seis, que saíam da gravação do programa de auditório, após terminarem alguns quadros a mais. Elizabete começou a gaguejar e Waldinéia também. Eles entreolharam-se e sorriram. Luiz Augusto continuou:” O que houve? Algum problema? Rs.” Os outros dois atores não aguentaram e caíram na gargalhada. Waldinéia virou a lanterna para o fusca e apontou, sem conseguir dizer uma palavra....... “Ah, o pneu furou!” disse Luiz Augusto, sorridente.” Bom, eu não sou habilidoso em troca de pneus mas, onde vocês moram?”As meninas entreolharam-se: “Anchieta”, responderam as duas, quase que simultaneamente. “Ah, tá”, respondeu ele, sem graça. “Um pouco longe, né?”, continuou. Elizabete, rápida no gatilho: “ Mas temos um primo que mora em um condomínio da Barra aqui perto, pode nos deixar lá?”. “Barra já melhorou.”, respondeu Luiz Augusto, entre sorrisos.

Elizabete, sem pensar duas vezes,  enfiou-se no banco da frente de seu Audi A2 lindíssimo. Waldinéia conformou-se com o banco de trás. “Qual é o condomínio mesmo?”, perguntou, com sorriso de galã. Waldinéia e Elizabete começaram a suar frio e gaguejar.  O ator, entre gargalhadas, continuou:” Bom, vamos fazer o seguinte? Já que vocês não têm certeza sobre o endereço do primo, eu não moro muito longe daqui. Posso emprestar meu quarto de hóspedes pras duas até amanhã de manhã, que tal?” “Tá bom”, responderam  em coro.

Waldinéia não foi muito favorecida pela natureza: era baixinha, gordinha e tinha um rosto meio achatado. Mas Elizabete, por sua vez..... Era a musa de Três Corações: cabelos longos negros e lisos na altura dos quadris avantajados, seguidos de um par de pernas grossas que a saia curta, usada naquele momento, de forma alguma escondia..... e Luiz Augusto não parava de olhar pra elas..... e Elizabete  já havia reparado nisso..... Em menos de quinze minutos estavam na bela mansão. A sala era maior que o dobro do tamanho da casa dos pais de Elizabete em Três Corações. Waldinéia sussurrou no ouvido da amiga, já sentindo o clima que pintava no ar.....” Elizabete, Dona Sueli está nos esperando, deve estar preocupada a coitada, meu pai então, nervosinho como é, já deve ter chamado a polícia, depois dessa só saio de casa daqui a um ano ou mais, meu Deus !”Elizabete, por sua vez, não parecia nem um pouco preocupada: “ Relaxa, gata! Estamos na casa de Luiz Augusto da Silva. Muitas mulheres dariam tudo por isso.” Volta ele com duas taças de espumante na mão e aquele mesmo sorriso canastrão de galã de quinta categoria: “Pra vocês!”, disse ele, todo animadinho, enquanto servia uma terceira taça para si mesmo.... Waldinéia ficou muito nervosa, virou pra Elizabete e falou o seguinte: “Amiga, me desculpe, mas eu vou procurar um táxi aí na rua. Depois eu vejo como eu faço. Tchau!.” E saiu correndo porta afora, deixando a taça em cima de um móvel qualquer. “Assustada sua amiga, hein?”, disse ele, sorridente. Elizabete, toda sedutora, olhou no fundo dos seus olhos e falou: “Adoro esse espumante, é o meu favorito.” Na verdade, nem sabia o significado da palavra espumante, já que em sua casa nunca entrou mais do que Sidra Cereser e mesmo assim para as festas de final de ano, mas ela adorou aquele sabor e rapidamente ficou tonta e alegre, jogando-se facilmente nos braços de Luiz Augusto.

Elizabete acordou na manhã seguinte sobre uma cama desconhecida. Não fazia ideia de como havia parado ali. Lembrava da casa, de Luiz Augusto, do espumante, de Waldineia.... o restante eram flashs. “Toc, toc, toc” , ela ouviu uma batida na porta e gritou “Pode entrar!”.Era uma senhora com uniforme de empregada doméstica da novela das oito : “Dona Elizabete, seu Luiz Augusto pediu para eu servir esse café da manhã aqui pra senhora e lhe dar cem reais para pagar um táxi e disse que era pra eu fazer a senhora sair daqui antes das 8. Ele já foi gravar.” Elizabete, um pouco confusa, perguntou:  “Que horas são?”. “6h30 da manhã, Dona Elizabete”, respondeu a empregada doméstica de novela das oito.” Ele deixou esse bilhetinho aqui olha, continuou”.  A senhora entregou um envelope, onde estava a nota de cem reais e junto um pedacinho de papel com um autógrafo.

Elizabete vestiu-se, saiu meio atordoada, sem saber direito o que tinha acontecido, quer dizer, saber ela sabia, mas não lembrava como.... Enfim, meio confusa,  pegou sua abóbora, quer dizer, seu táxi, e quando o motorista perguntou” Aonde vamos?”, um pouco envergonhada, e quase em sussurros, ela respondeu:” Anchieta, moço”. O motorista ficou todo animadinho: “Opa, eu moro lá, conheço aquela área toda. Você deu sorte hein, menina? Às vezes me chamam aqui dessa casa pra levar as moças em lugares que nunca ouvi falar, mas Anchieta é minha área, nasci e cresci por lá.......” E no meio do blá blá blá do taxista, aos poucos Elizabete entendeu o verdadeiro sentido da palavra realidade.....

Verônica Tratch