MEU MUNDINHO VIRTUAL
“Vanessa! Vanessa! É ele! O que faço! Ele está on line! Mando um oi ou espero que fale comigo! ? Tô nervosa! Ele acabou de me adicionar! Oh meu Deus, o que fazer?”
Eliana e Vanessa eram as conhecidas BFF (best friends forever). Uma não fazia nada sem a outra. Nada jamais podia ser decidido sem o aval da outra. Eram quase irmãs gêmeas siamesas. Eliana estava apaixonada por um sujeito de sua escola que era o queridinho das meninas e da galera de uma forma geral: Marcos era o mais bonito, o mais inteligente, o mais rico, o que sempre tinha os óculos de sol da moda, o que sempre viajava para lugares interessantes nas férias. Eliana, por sua vez, era bonitinha, porém tímida, desajeitada, era a líder do Conselho Estudantil ( o que não era visto como uma ocupação muito sexy, digamos assim), toda vez que tentava dar um saque de vôlei nas aulas de educação física, jogava a bola sobre si mesma e, ao menos tendo em vista a grande maioria das pessoas da sua idade, tinha um péssimo gosto musical. Seu pai era um renomado pianista da Orquestra Sinfônica Brasileira. Sua mãe, uma premiadíssima cantora de Ópera, que já havia se apresentado com as principais companhias de Milão e Paris. Só conhecia música clássica, sabia diferençar Mozart, de Vivaldi, de Bach, de Handel. Tocava flauta transversa desde os 3 anos de idade e sonhava em ser maestrina. Em resumo: era vista como extraterrestre pelas suas colegas de classe, fãs de Anitta.
O plano era o seguinte: faria um perfil falso em uma rede social, mostraria o quanto é inteligente e legal durante algumas semanas de conversa e depois se apresentaria. A ideia foi dela mesma, sob o aval e apoio moral e espiritual e inclusive, diria, material, de Vanessa. Pra dar um “up” na situação, passou a ir mais arrumadinha pra escola: jogou no lixo os óculos de grau caríssimos que sua mãe havia mandado importar da Itália, com a desculpa de ter sido assaltada na saída da escola, e passou a usar lentes de contato, uma leve maquiagem e cabelos soltos e escovados. Já havia percebido que Marcos começava a notá-la, mas mesmo assim quis seguir com o plano.
Tinha ouvido falar que ele saía com Nadir, escondido dos pais dela, super protetores. Nadir era a gostosona da escola: sempre aparecia impecável às 7 da manhã, de salto alto, maquiagem, roupas de grife e seus trejeitos e maneiras pareciam meticulosamente estudados para chamarem a atenção. Fazia aulas de interpretação no curso de Wolf Maya e inclusive já tinha participado, como figurante, de algumas minisséries da Rede Globo..... ao menos era o que ela dizia.... porque na televisão mesmo ninguém nunca a viu. Sua mãe a levava e buscava na escola e, para furar o cerco e sair com Marcos, a desculpa era o famoso trabalho de grupo, que se convertia em saídas ao cinema do shopping.
Ele tinha acabado de aceitá-la como amiga em uma rede social, quer dizer, aceitá-la não, na verdade aceitou ser amigo de Carla Bastos, uma loira exuberante, que cursava o primeiro período de medicina na UFRJ.
“Oi!”
“Oi!”
“Tudo bem?”
“Tudo bem!”
“De onde eu te conheço?”
“Você não me conhece!”
“Como me encontrou aqui?”
“Foi o destino que nos uniu”, disse Carla Bastos, toda sedutora. Durante os quinze minutos seguintes apresentaram-se brevemente, falaram de gostos musicais, os seios fartos de Carla Bastos fizeram parecer SUPER normal uma menina de 18 anos entender tudo de música clássica e Marcos começou a fazer suas explanações sobre as bandas de sua preferência.
Vanessa cutucou Carla Bastos, ou melhor, Eliana: “Chega, quinze minutos tá bom!”
Carla Bastos despediu-se solenemente e disse: “Vou estudar! Tchau! Beijos!”E ficou “off line” antes que ele tivesse a oportunidade de responder.
No dia seguinte, na escola, Marcos não parava de olhar para Eliana, que começou a ficar bem preocupada. Na hora do intervalo ela foi atrás de Vanessa para conversar: “Vanessa, tô preocupada. O Marcos nunca olhou pra minha cara. Tudo bem, eu tô vindo mais arrumadinha pra escola, mas hoje na hora de entregar a caderneta ele me olhou direto, parecia que estava me secando. Será que ele está desconfiado ?”
“Que nada!”, respondeu Vanessa. “É que seu novo look tem feito sucesso mesmo! Outro dia o Bernardinho veio até me dizer que você ficava muito gostosa maquiada.” “Credo, gostosa, que nojo!”, disse Eliana, fazendo careta. “Ih, deixa de ser fresca Eliana, gostosa é elogio. Aproveite bem seu momento glamour.”, disse a amiga.
Apesar das confortantes palavras de Vanessa, Eliana ficou muito preocupada com a troca de olhares na fila da caderneta e resolveu entrar on line com a Carla Bastos pra ver se Marcos aparecia e dizia alguma coisa. Para sua surpresa ele já estava no chat, como se a estivesse esperando, e puxou assunto antes que ela dissesse oi.
“Carla, posso te perguntar uma coisa?”
“Claro, diga!”, disse Eliana, sentindo um frio na espinha.
“Desculpe eu falar de outra mulher com você, mas estou sentindo algo esquisito e preciso conversar. Sei que nossa diferença de idade é de apenas três anos, mas talvez você possa me ajudar.”
Eliana ficou muda, tanto virtualmente como verbalmente, e após alguns segundos, disse: “Posso tentar.”
“Acho que gosto de uma menina da minha escola, mas não sei como.”
“Não sabe como, como assim?”
“Todos a acham estranha, mas eu sempre olhei pra ela. Só que não me sinto a sua altura, em termos intelectuais, eu digo. É porque ela conhece muitas coisas. Além de bonita, é sensível e educada. Ela parou de usar óculos, ficou mais bonita ainda, mas confesso que sinto falta de seu ar intelectual. Ela é diferente de todas as garotas que eu já conheci. “
Eliana começou a ficar ofegante. E sem pensar duas vezes.
“Como posso te ajudar?”
“Hoje na fila da caderneta eu a observei, como já tinha feito outras vezes, mas ela sempre vira o rosto pra mim. Acho que ela me considera fútil. Não sei o que fazer. Acho que se eu me aproximar e puxar conversa talvez não consiga sustentar cinco minutos de diálogo com uma menina tão inteligente. Eu sou uma fraude. Eu sou um personagem. Eu sou o que esperam que eu seja e eu sou tão carente que faço qualquer coisa para ser querido pelos outros, até sair com uma garota chata e vazia, só porque ela é bonita e vai ser famosa um dia. Mas eu estou cansado. Acho que essa menina, a Eliana, é tudo que eu sempre busquei. Mas o que vou fazer pra chegar perto dela?”
“Essa menina, a Eliana..... essa menina a Eliana”, ela voltou tantas vezes nesse pedaço do texto que demorou muito para respondê-lo e quando viu ele já estava off line.
Na esperança de que mais tarde ele pudesse voltar ao chat, deixou a seguinte mensagem: “ Meu amigo, às vezes um oi e um sorriso bastam. Não diga, faça. Procure-a na hora do intervalo da escola, ofereça-lhe um suco, a sua intuição vai mostrar que atitude tomar daí em diante.”
Eliana não conseguiu dormir naquela noite e pela primeira vez não dividiu seu momento com Vanessa: aquele acontecimento era só dela e de mais ninguém. Na hora do recreio, quando estava sentada em um banco, conversando com seu habitual grupo de amigos nerds sobre a próxima reunião do grêmio estudantil, viu surgir na sua frente um suco roxo, carregado por uma mão muito trêmula: “Gosta de suco de uva?”, disse a voz de Marcos. Eliana levantou-se, com a nova armação de óculos que sua mãe mandou fazer após o “roubo”, pediu licença ao grupo e saiu confiante ao lado de Marcos, sendo observada por toda a escola. O que aconteceu depois disso não se sabe. Mas aquele foi o melhor recreio da vida dos dois e Eliana finalmente notou que era notada e que ser diferente é o que há.
Verônica Tratch