Melissa Menina
Melissa era uma menina muito asseada e calorenta. Tomava banho cinco vezes por dia e demorava tanto tempo que a impressão que se tinha era a de que suas mãos estavam a murchar. Sempre sorrindo e feliz, conversava com as amigas na hora do chá, trazendo à tona temas polêmicos: Cristo Redentor, jogo de futebol, novela das 8, o que comer no jantar e por aí vai. Falava muito, falava sem parar.
Sua rotina era louca: acordava às 6 da manhã; fazia sua caminhada em grupo com outras meninas da sua idade, logo após tomar um copo de leite quentinho; depois partia para o café da manhã com o mesmo grupo de meninas como ela. Neste momento encontravam os rapazes no refeitório. Melissa tinha vergonha de namorar, mas não tirava os olhos dos moçoilos mais bonitos. Passava a manhã jogando cartas e conversando, trocando ideias, polemizando. Não entendia direito onde estava, mas o horário de almoço era o seu favorito e ela era gulosa: enchia o prato de arroz, batatas douradas e bife. De sobremesa uma goiabada, seguida de um café quentinho. Melissa era muito habilidosa nas artes plásticas: gostava de pintar quadros e fazer esculturas em cerâmica, que eram expostos no saguão principal. Tirava a soneca da tarde. Descia para o chá. Tagarelava mais um pouco. Assistia a novela das 6, das 7, das 8. Não jantava porque não tinha apetite, mas era forçada a tomar um mingau antes de dormir: detestava, resmungava, fugia, se escondia, era encontrada, tomava o mingau. Entre uma atividade e outra os famosos banhos
Durante a noite sonhava com um mundo melhor, sem guerras, com paz, amor, alegria, flores. Se via na faixa dos 30 anos, com dois filhos bonitos e loiros, ela mesma linda e loira, um marido que a amava, uma casa decorada com suas pinturas. Não entendia o porquê destes sonhos, mas eles eram repetitivos e quando acordava ela sentia-se bem. O xixi das 3 da manhã, voltava a dormir, sonhava mais um pouco. Acordava às 6 da manhã.
Melissa estava bem, na verdade não sabia direito onde estava, mas sentia-se plena de alegria e vigor. Todos os dias tinha amigos e amigas novos, com nomes diferentes. Era bom encontrar gente nova todo dia, ela adorava, era bom ser menina e poder brincar com as outras crianças.
Melissa tinha uma boneca parecida com ela, com os mesmo cabelos e roupas, presente de uma equipe de palhaços que sempre ia visita-la nos finais de semana. Era tão legal a boneca!
- Sebastião!
Ela correu e foi falar com Sebastião, que parecia não reconhecê-la muito bem, mas era pessoa amorosa e sempre lançava sorrisos e olhares para ela. Mas, como foi dito acima, Melissa tinha vergonha de namorar, só gostava de fazer amizades e conversar.
Embaixo da janela de Melissa tinha rosas vermelhas muito lindas e cheirosas. Ela adorava cheirar as rosas e conversar com elas. Eram suas amigas. Pareciam reconhecê-las, diferente de Sebastião que nunca sabia quem ela era. Quando as rosas tinham segredos contavam pra ela, que os guardava em um diário escondido embaixo da cama.
Certa vez, a rosa disse assim: “ Saia de cima de mim. Venha pra baixo de mim. Só queria te avisar. “
Melissa não entendeu nada, mas escreveu mesmo assim. As rosas eram tristes, solitárias, se não fosse por ela talvez nem estivessem vivas.
Melissa morava ali há muitos anos, já tinha perdido as contas. Tirando a visita dos palhaços de fim de semana, não recebia mais nenhuma. Naqueles sonhos entre o deitar na cama e a hora da xixi, às vezes aparecia um bebê tão bonito, que ela sem querer deixava cair no chão.
Melissa sentia-se fraca há meses, mas continuava ali e feliz, feliz, feliz! Teve um dia que ela resolveu caminhar com vestido de baile: tecido rosa claro de seda, saia rodada na altura da batata da perna. Ela ouvia uma música linda e a cantarolava com emoção.
Melissa estava muito cansada e solitária. Melissa foi dormir. Melissa era uma menina murcha com sorriso no rosto. Melissa tinha 92 anos de história, mas quando se olhava no espelho via a menina. Melissa foi abandonada pelos parentes por ter Alzheimer e deixar seu neto recém-nascido cair no chão. Melissa não lembra direito quem são essas pessoas, aliás, Melissa não tem neto não. Melissa é criança. As flores vieram busca-la. Melissa suavemente parou de respirar. Sebastião chorou quando soube da notícia, mesmo sem saber quem ela era. Melissa sentiu sua alma sair do corpo. Melissa coberta de rosas chá e vermelhas subiu para os céus guiada por seu anjo da guarda, um bebê lindo, que ela reconhecia de algum lugar.
Verônica Tratch