LILI E A MOCREIA
Ela era uma menina meiga e tímida do interior do Ceará. Inteligente, reservada, calada, observadora e, para o desespero das mocreias de plantão, lindíssima, de corpo e de alma. Só que em sua pequena cidade, praticamente toda ocupada pelo sexo feminino, eram poucos os homens para admirá-la. Cansada de tanta solidão e olhares invejosos, ao completar trinta anos, vendo que dali não sairia nem casamento graúdo e nem emprego bom, fez suas malas e mudou-se pra cidade grande, junto com seu irmão caçula e protetor, Edvaldo.
Lili e Edvaldo foram sempre muito unidos, principalmente depois que seus pais faleceram em um acidente de carro, quando transportavam turistas para Jericoacoara. Sempre trabalharam juntos, praticando todo tipo de comércio: já haviam tentado abrir uma tabacaria, sorveteria, restaurante.... Nada ia pra frente. Venderam a casinha dos dois e o carro velho e foram viver temporariamente na casa de uma tia, nos arredores da Praia do Futuro, em Fortaleza. Uma vez na semana acordavam antes das 5 da manhã e compravam logo um estoque de latas de cerveja para os próximos sete dias. Vendiam na praia, em pleno verão, das 9 da manhã às 6 da tarde. Tendo em vista a beleza e a empatia dela, o espírito empreendedor e garra dele, em pouco tempo ganharam autorização para abertura de um pequeno quiosque, em uma das entradas da praia. Só que um problema inesperado estava por vir e, foi assim, que Lili descobriu que havia mocreias em toda parte!
E o nome desta ingrata mocreia é Edwiges, uma dona de quiosque mais antiga, que tinha medo de perder a clientela pela beleza da moça, que é mesmo notável. O quiosque de Lili e Edvaldo era do lado oposto ao dela, na mesma entrada. Edwiges criou um inferno quando soube da nova concorrência, tendo em vista que antes o quiosque era ocupado por um senhor de meia idade, feio e barrigudo, que tinha uma mulher falastrona e mal educada, outra mocreia. Quando Edwiges bateu os olhos em Lili, uma morena bonita, simpática, de pele perfeita e corpo escultural, quase morreu de ódio. Daquele dia em diante parou de olhar-se no espelho: suas pernas desproporcionalmente grossas, seus dentes careados e pele acneica passaram a incomodá-la mais que nunca. Edwiges era tão mocreia que nem os homens mais desprezíveis fisicamente, daqueles que só conseguiam mulher no puteiro e olhe lá, aproximavam-se dela: Edwiges era virgem, inclusive de boca.
Aos 18 anos tentou beijar um primo à força durante um churrasco da família e levou um empurrão tão forte do rapaz que quase caiu pra trás. “Não faça mais isso! Eu tô bêbado, mas não tô cego!”, disse ele, com a língua enrolada. A partir desse dia, Edwiges jamais tentou aproximar-se de um rapaz novamente e agora aquela beldade na barraca de coco ao lado!
Edwiges tinha que tirá-la dali de alguma forma. E o pior é que, a meiga Lili, nem tomava conhecimento da inveja da outra: simplesmente a ignorava, o que a fazia sentir-se mais medíocre e enraivecida.
Durante mais uma noite de insônia, veio-lhe a terrível ideia: vou tacar fogo no quiosque e com Lili dentro, pensou a malvada Edwiges. Saiu 3 horas da manhã de sua casinha de pescador, com uma caixa de fósforos na mão. Sabia que Lili dormia sozinha no quiosque, já que o irmão cortejava uma francesa que passava férias na praia, e naquele momento tomava uma cerveja com a moça em um dos botecos que adentravam a madrugada. Aproximou-se de mansinho, riscou o fósforo e pôs fogo em cada tábua de madeira, sem dó nem piedade. Mas, por uma coisa ela não esperava: Edvaldo não tinha o menor talento para a construção e, na época em que reformou seu novo ponto, deixou alguns buracos mal acabados em volta da área..... e mocreia, quer dizer, Edwiges, enquanto realizava sua vingança contra a beleza de sua, só sua, rival, perdeu o equilíbrio ao pisar em um deles e bateu com a cabeça na madeira, ficando inconsciente.
Lili acordou com o cheiro ruim de queimado. Correu a tempo de salvar-se. Tendo em vista o desespero do momento não reparou no corpo inerte de mocreia, quer dizer, Edwiges, que se encontrava caído, bem próximo às chamas.
A mulher morreu queimada: quando Lili conseguiu ajuda, o corpo de Edwiges já havia sido consumido pelo fogo, até porque teve a infelicidade de cair bem próxima ao estoque de cachaça..... Lili conseguiu salvar boa parte da cabana, do dinheiro que ali estava e dos mantimentos. Edwiges perdeu a vida. Quando conseguiram encontrar Edvaldo a moça, com ajuda de vizinhos, já havia solucionado o problema..... Demoraram para sentir falta de Edwiges e perceberem o que havia ocorrido.
Mocreia morreu mocreia e a beldade, ah esta, além de linda, tornou-se admirada pela sua coragem e desprendimento, por ter conseguido salvar-se, por agora ter o quiosque de coco e bebidas alcoólicas mais conhecido e frequentado da Praia do Futuro. Já a mocreia Edwiges, essa daí, alías...... Quem é mesmo Edwiges? Foi esquecida por toda a eternidade, morrendo junto com sua feiura e maldade.