LIBANESES E UCRANIANOS
Maria é uma moça muito bonita, na faixa dos 20 anos, namoradeira que só. Não aguenta ficar sozinha. Está sempre buscando uma nova aventura amorosa e, apesar de todo seu charme e astúcia, no final da história sempre é trocada por outra ou simplesmente abandonada. Os homens enjoam dela tão rápido que sua autoestima, que deveria ser altíssima, tendo em vista a bela aparência e sensualidade, vai lá no chão
Seus pais são muito preocupados com a moça, que não aparenta ter disposição para estudar nem trabalhar: desde que terminou a escola, só pensa em namorar. Um belo dia sua mãe teve uma ideia:” Moisés, por que não apresentamos Maria para aquele rapaz ucraniano que acabou de chegar na cidade?” Moisés não acredita no que ouve: “ Mas Esther, aquele homem mal fala português. Eu sei que a família dele aparenta ter posses, acabaram de abrir um negócio de joias no melhor ponto da praça, mas não acredito que seja o caso de apresenta-los. Como vão conversar?Nossa filha se garante muito em sua boa aparência, ela tem que estudar, se formar, encontrar uma profissão. Daqui a pouco estará difamada com tanto troca-troca de namorado. Eu pelo menos já começo a me preocupar, cada semana a vejo abraçada a um marmanjo diferente. Ela é nossa filha única, não acredito que o rapaz ucraniano seja a solução”.
“E o libanês?!”, lembrou Esther , animada. “ O libanês é um homem de 50 anos, bonito, viúvo. Maria é bem mais jovem. Para ele seria uma vantagem. E casando-se com um homem assim tão elegante e bem-sucedido, nós calaríamos a boca desta cidade toda que acha Maria um penduricalho bonito e nada mais.” O pai pensou, pensou..... “Vamos fazer o seguinte: tentamos o ucraniano e o libanês, depois vemos no que dá. Eu converso com o libanês, pois já o conheço de vista, nós dois compramos nossos produtos de comércio na mesma mercearia. Você vai atrás da família do ucraniano e vê se faz amizade com alguém que arranhe o português. “ E assim ficou combinado.
O que os pais não sabiam é que Maria já estava interessada no ucraniano, a grande novidade da cidade, e a barreira da língua jamais existiu naquele contexto: linguagem corporal é tudo, não é verdade? Já o libanês é uma incógnita. Maria, aparentemente, nunca olhou para ele com qualquer interesse, talvez devido à grande diferença de idade.
Dona Esther conseguiu encontrar uma das avós do ucraniano, que já morava no Brasil há mais tempo e falava um belo de um português, e em cinco minutos as duas já estavam na casa de chás da cidade lanchando e tagarelando: tornaram-se amigas de infância. Esther não perdeu a oportunidade de apresentar os predicados da filha, alguns inventados, é claro. “Tenho tanto orgulho de Maria!”, dizia a mãe, empolgada. “Aquela ali nasceu para ser esposa. Você acredita que ela abriu mão da Faculdade de Biologia, em uma das melhores universidades de nosso estado, para aprofundar-se nas prendas do lar? Seu sonho é ser mãe, não pode ver criança que quer pegar no colo e brincar. Mas eu me preocupo com ela – continuou – não vejo qualquer rapaz nesta pequena cidade que esteja a sua altura. Ela já tentou alguns relacionamentos, mas ninguém é bom o bastante para ela. Em duas trocas de palavra ela já se decepciona. É que Maria é muito culta..... já os rapazes daqui.....” A avó desavisada arregalou os olhos: “ Nossa, Maria parece mesmo um achado, uma moça rara nos tempos de hoje. É alguém assim que eu sonho para o meu neto.” Ficou combinado um encontro entre os dois, no fim da tarde de domingo, logo após a Missa.
O pai volta pra casa nervoso, parece que não teve o mesmo sucesso: “O libanês disse que já conhece nossa filha biblicamente e que com mulher rodada ele não tem assunto. Estou apavorado!”, disse Moisés, vermelho como um tomate. “Que sociedade machista! Esses homens daqui ainda vão arrepender-se de ter usado e abusado de nossa menina. Eu consegui um encontro com o ucraniano!”, disse Esther, num sorriso de vitória.
E a tarde de domingo chegou, a Missa acabou, Esther encaminhou a filha ao tal encontro. Lá estava o ucraniano todo arrumadinho embaixo do coreto com a avó. Maria lindíssima, de vestido branco, mal parecia uma mocinha sapeca e, como dizia o libanês, rodada. O rapaz abriu um sorriso largo. Maria também. Esther e a vovozinha desavisada também. Os dois deram-se as mãos e saíram pela cidade: 20h00, 21h00, 22h00, 2 da manhã..... Quando Dona Esther e Seu Moisés quase chamavam a polícia, eis que chega Maria, toda descabelada, batom borrado, vestidinho branco desalinhado..... Os pais ficaram apavorados!
Dona Esther mal conseguiu dormir à noite, já pensava em mudar de cidade, levar a filha para a capital, onde talvez se adaptasse melhor..... O pai chorava, envergonhado, com medo do que os outros iam pensar.... Maria dormia linda e calma, parecia um anjo. Eis que se ouve um barulhinho vindo da porta principal: toc, toc, toc. Era a vovó desavisada do ucraniano, com um sorriso largo nos lábios, dizendo: “Realmente, Dona Esther, você tinha razão. Meu neto está encantado. Disse que jamais viu moça mais bonita, prendada e reservada. Exaltou a sua timidez. Ficaram tanto tempo conversando, que quando viu já se aproximava a madrugada, inclusive ele pediu para desculpar-se pela demora em trazê-la pra casa. Ele quer pedi-la em namoro para Seu Moisés, é um relacionamento sério. Meu neto está no Brasil há pouco tempo, ainda não fala português, mas é trabalhador e vai dar do bom e do melhor a sua filha, esse tesouro de menina. Nisso entra o ucraniano de mansinho. Nisso entra Maria lançando-lhe uma cínica piscadela retribuída por um sorriso safado. O pai nem consegue acreditar no que tinha acabado de ouvir. A mãe batia palmas que nem boba, nem sabia o que fazia.
O rapaz faz menção de pedir licença para atravessar o corredor, sendo acompanhado por Maria. “Meu neto quer ter uma longa conversa com sua filha a sós, para acertarem o namoro e todo o compromisso que virá depois. Vocês se incomodam?” O pai e a mãe entreolharam-se:” é quase um milagre”, sussurraram baixinho. E o ucraniano passava as tardes conversando com Maria em seu quarto, era tanto assunto, como se davam bem. O português ele nunca conseguiu aprender,mas há algo mais importante que a linguagem do amor?
Verônica Tratch.