FESTA DE CASAMENTO

O sonho de Aparecida sempre foi casar-se na Igreja, de vestido branco, sendo conduzida até o altar pelo seu pai. Só havia um pequeno problema: Roberto, o homem de sua vida, é judeu e, tendo em vista o tradicionalismo inerente a sua religião, espera convencê-la a casarem-se em uma sinagoga que ele e sua família frequentam desde sempre.

O namoro já se estende há 12 anos. Começou na adolescência, quando aos 19 anos, na fila do cinema do shopping, aproveitando-se de sua distração e de sua amiga Cléo, Roberto furou  a fila da bilheteria e comprou os últimos ingressos da sessão, para ele e sua namorada da época, vale a pena frisar, quase deixando as duas meninas a ver navios.

Só que Aparecida sempre foi temperamental, partindo pra cima dele e arrancando os dois ingressos de sua mão na marra, sob os olhares assustados dos frequentadores do cinema. “Isso é pra você aprender a não passar a perna em mulher, seu palhaço!”, exclamou a, até então, elegante e delicada moça, cheia de ódio no coração.

A namorada havia sumido, mas Roberto esperava as duas amigas na saída do cinema, indo ao encontro de Aparecida assim que a viu: “ Gostaria de pedir-te desculpas. Posso convidá-la para um sorvete ? O meu favorito fica do outro lado da rua.” Foi aí que Aparecida se deu conta de  como Roberto é bonito: alto, loiro, olhos azuis, tipo atlético e ainda por cima charmoso e aparentemente rico, tendo em vista estar vestido de grife da cabeça aos pés. Aparecida apressou-se num sorriso, dispensando Cléo com um aceno de mão que a fez sair de fininho.

E o grande dia se aproximava! E ao longo de todos esses anos Roberto continuou muito apaixonado por Aparecida, apesar de seu temperamento forte, ou talvez até mesmo por isso.

O assunto religião sempre foi evitado pelos dois. Aparecida é uma católica fervorosa, recebendo este nome por ter nascido no dia de Nossa Senhora Aparecida, seguindo a tradição da família de dar aos recém-nascidos o nome do santo do dia. Vai à missa todos os domingos e adora. Passou por todos os sacramentos exigidos pela Igreja Católica. Faz trabalhos sociais para a paróquia de seu bairro, tendo inclusive se formado em Teologia, após descobrir que não tinha qualquer vocação para as Letras e Literatura.

Roberto é de uma família tradicional do Rio de Janeiro. Está acostumado a ver seu sobrenome estampado nas colunas sociais. O rabino frequenta a sua casa. De início, tendo em vista Aparecida pertencer a uma família de classe média baixa e ser católica, seu relacionamento foi rejeitado pelos pais de Roberto. Mas aos poucos habituaram-se com ela e  viram que, apesar de não possuir o mesmo padrão financeiro, tinha tido uma boa educação, é elegante, bonita, inteligente e inclusive sempre interessou-se por regras de etiqueta e comportamento social. Com um banho de loja tornou-se uma verdadeira madame.

Mas, a religião era o problema. Aparecida ouvia a mãe chorar escondida de madrugada, trancada no banheiro, imaginando a possibilidade de sua filha abandonar a religião seguida há anos pela família. Roberto nunca teve coragem de propor a ela uma conversão ao judaísmo.

A papelada do cartório estava pronta e o assunto cerimônia de casamento passou a ser inevitável. Os dois já tinham suas soluções em mente, mas um não tinha coragem de dirigir-se ao outro para explicitar sua ideia. Escolheram o salão onde o comes e bebes aconteceria, o arranjo de flores da decoração, doces, salgadinhos e bolo dos noivos...... Tudo pronto..... Mas......

Aparecida, sempre mais decidida e determinada, percebendo que os dois encontravam-se em um beco sem saída, respirou fundo e, quase lacrimejando, fechou os olhos e perguntou a Roberto, de uma vez só:

“Por que não fazemos uma cerimônia ecumênica, no próprio salão da festa? Eu abro mão de casar na Igreja  se você abrir mão de minha conversão. Receberíamos as bênçãos de um rabino e de um padre e a cerimônia seria realizada por um juiz de paz.”

Roberto não conteve o sorriso: “Essa é justamente a minha ideia.”

E o amor sobrepôs-se à religião.

Verônica Tratch