DIA DE VERÃO
Anita estava muito nervosa, não sabia o que fazer: se esperava, se telefonava, se contava pra sua mãe e ouvia o que ela dizia. Que problema! Seu irmão Vítor também nada de chegar pra ajudar: ele sempre tinha uma solução brilhante para qualquer impasse .Sua mãe a ensinou que a verdade sempre é o melhor caminho, não importam as circunstâncias e blá, blá, blá..... mas, aquela verdade..... Ai, ai, ai.....
Vítor chegou, para alegria e alívio de Anita.
- Irmão, aconteceu!
- O que, Anita!?
- Tô grávida do Vicente, como te falei. Eu não queria, a camisinha estourou, eu tomei a pílula do dia seguinte muito depois do prazo, não acreditava que uma coisa dessas aconteceria comigo, mas aconteceu. Mamãe vai me matar: ela odeia o Vicente. Disse que jamais me perdoaria se algo assim acontecesse,pois não admitiria, segundo as palavras dela, um bandido em nossa família. Ele vai pra França estudar, só volta ano que vem. Eu não quero abortar!
- Você sabia muito bem o que estava fazendo e quem é Vicente. Esse seu “risco” foi mais ou menos calculado.... por você, é claro!
Anita pôs-se a chorar. Dessa vez seu melhor amigo não estava ao seu lado, dando apoio, muito pelo contrário. E agora?!
Ela resolveu contar pra Vicente. Foi até a empresa do pai dele, subiu à sua sala, Vicente não estava. Agoniada, foi embora aos prantos.
Anita é uma bela moça de classe média baixa da zona norte do Rio de Janeiro. Tem 15 anos, mas aparenta mais. Nunca gostou de estudar. “Fantasiava-se” de Patricinha e ia até a zona sul caçar, por assim dizer, homens ricos e bonitos que pudessem interessar-se por ela. Só que Vicente era diferente .
Anita tinha a ilusão de que um dia ficariam juntos. Ele sempre a procurava, mandava flores.... Ela mentia a idade, dizia que tinha dezessete, quase dezoito. Vicente tinha 21: bem apessoado, alto, olhos claros. Foi amor à primeira vista. Até que descobriu a sujeira da família, que respingava no rapaz: o pai de Vicente era testa de ferro de uma rede de lojas de departamento, que fazia lavagem de dinheiro para alguns políticos da baixada fluminense. O apezão de Ipanema de frente pra praia nem era dele. Viveu e cresceu em Olaria, até seu pai encontrar essa “mina de ouro”, que mais tarde soube tratar-se de uma tremenda armadilha para trouxas como ele. E a essa altura, Vicente já estava envolvido até o pescoço. Tendo em vista a desconfiança levantada por uma ou outra ação mal feita, a Polícia Federal passou a persegui-lo: o plano de seu pai era manda-lo pra Suíça via França e mais tarde ir encontrar-se com ele. Só que nem Anita sabia a verdade: para ela Vicente estava indo estudar, não se esconder, muito menos em um país que ela nem imaginava.
Ficou três dias aos prantos, trancada em seu quarto, no escuro, sem ver televisão, sem atender telefonemas ou mesmo conversar com a mãe. Vítor a acusava todos os dias, dizendo que ela havia engravidado de propósito, para não deixar o rapaz viajar e fisga-lo de vez. Depois de não ter mais lágrimas para gastar, tomou a terrível decisão: “Vou abortar, não tenho outra saída.”
Foi até o prédio de Vicente, deixou um envelope pra lá de lacrado na portaria, contando tudo e pedindo a quantia necessária para o aborto. Escreveu que dali a três dias voltava para buscar o dinheiro. Deixou junto do bilhete o resultado do exame de gravidez.
Três dias depois, volta Anita à portaria do prédio, no horário combinado. O porteiro já a esperava com o envelope em mãos. “Toma!”, disse ele, seriamente, ao vê-la. Dentro uma quantia gorda e mais um bilhete:
“Querida Anita,
Emociona-me saber que sou o pai de um filho seu, fruto de nosso amor. Não posso deixa-la abortar, mas também não tenho condições de casar contigo agora . Sua mãe me odeia. Seu irmão sempre te acusou de oportunista por aproximar-se de mim. Eu preciso viajar e nada irá impedir-me. O valor contido neste cheque cobre todas as despesas médicas, roupinhas para o nosso bebê, e uma excelente alimentação para que você possa fortalecer-se. Assim que puder entrarei em contato.
Com amor,
Vicente.”
Anita derreteu-se. Toda aquela certeza foi por água abaixo. A quantia cobria o aborto e ainda sobrava um tanto para despesas pessoais: maquiagem, corte de cabelo, roupas e sapatos novos. Mas quem disse que ela tinha coragem? O que parecia a solução, tornou-se mais um problema. Vítor não estava ao seu lado. Se sua mãe soubesse da gravidez era capaz de enfartar, a coitada. O que fazer?!
No dia seguinte Anita voltou à entrada do prédio, na esperança de vê-lo passar. Entrou, pediu ao porteiro que interfonasse, mas nada. Ninguém entrava, ninguém saía. Ele só viajaria em uma semana, onde poderia estar?
“Vou fazer o aborto!”, pensou sem mais titubear. Vítor concordou em ir à clínica clandestina junto com ela. Procedimento feito. Muitos dias de lágrimas, tendo em vista o medo de um arrependimento futuro. Algum tempo depois a polícia bateu em sua porta. Era um carro preto com três agentes federais: “Vim buscar o cheque. Vicente disse que está com você. Como poderíamos imaginar que uma moça nova e bonita estaria envolvida no esquema? Entregue o cheque agora! O delegado adjunto está aqui conosco. Você tem direito a um advogado!”
“Oi?!”, disse ela, revirando a casa inteira junto com os policiais, para provar que não havia cheque com ela, só uma quantia em dinheiro que Vítor havia sacado para pagar contas.
Convencidos de que o alarme era falso, foram embora.
“Minha mãe sempre teve razão”, pensou Anita, sendo consolada pelo irmão. E o feitiço virou contra o feiticeiro. Aquela que se achava a esperta, a golpista, a mocinha destemida e a frente de seu tempo que arrumaria um rapaz rico para sustenta-la, foi golpeada de tal forma que achava impossível restabelecer-se emocionalmente. Tinha matado um bebê ; descoberto que amava sozinha e o quanto é ruim ser enganado; e o quanto a dor da decepção é profunda.
No dia seguinte, Anita acordou para ir à escola de cabelo arrumado, uniforme impecável. Naquele dia de verão, o primeiro do ano letivo, a menina leviana morreu e nasceu uma mulher que se tornou realista pelos maus tratos da vida. Vítor sentia um misto de dor e pena, com alívio e surpresa.
Anita jamais esqueceu o filho perdido, o amor não retribuído e a dor que sentiu por ser enganada. Nunca mais pôs os pés na zona sul. Virou a melhor aluna da classe, passou em uma faculdade pública, onde conheceu um rapaz estudioso como ela, que a amou de verdade, deu-lhe dois filhos – que deixemos bem claro, por mais que os amasse, jamais substituíram aquele outro – e que a apoiou como passou a merecer.
Verônica Tratch