A TELEVISÃO
Manuela estava muito chateada, muito mesmo. No dia seguinte completava 40 anos e as coisas simplesmente não haviam caminhado como sempre sonhou e planejou.
Há 20 anos, quando ainda morava na França com sua mãe, suas expectativas eram outras: pensava que aos 40 já estaria casada, mãe de três filhos, empregaço e carro do ano. No entanto, já havia trocado de faculdade três vezes e não se formou em nenhuma, carro nem pensar, filhos não queria mais ter e namorado era um pior do que o outro.
Sua alegria era viajar e conhecer novas pessoas, portanto, após três anos na França com sua mãe, havia passado cinco nos Estados Unidos com seu pai, onde iniciou uma Faculdade de Letras largada pela metade em troca de um curso de Comunicação que não chegou a ser finalizado. Voltou para o Brasil e ficou durante mais três anos em São Paulo pensando em retomar Letras, enquanto dava aulas particulares de inglês e francês. Enjoou, foi para o Paraguai: uma rede de hotéis cinco estrelas tinha acabado de inaugurar uma filial em Assunção. Iniciou um curso técnico de Hotelaria – esse ela terminou – e lá morou por sete anos, tendo em vista seu romance secreto com um cônsul da Noruega casado chamado Hans. “Sete anos desperdiçados”, pensava ela. Voltou para São Paulo, França de novo, São Paulo, emprego de secretária executiva em Santiago do Chile, São Paulo. De repente: 40 anos. E aí?
Já estava há umas três noites sem dormir, quanto mais se aproximava a data maior era a angústia. Sabia que a família não esperava mais nada dela: era a filhinha maluca. Tinha vontade de fazer mil coisas, mas ao mesmo tempo sentia-se perdida e não sabia por onde começar. Não que fosse infeliz: talvez tivesse uma vida mais legal que a grande maioria das pessoas, mas a falta de rumo a deixava desconsertada, paranoica, sem ação.
Às 3 da madrugada, no auge da insônia, ligou a televisão. Passava um filme de terror tenebroso: era pedaço de cérebro para um lado, dedos triturados do outro, enquanto um psicopata com uma serra elétrica seguia um grupo de adolescentes promíscuos que fugiam seminus pelo meio do mato. Aff.... Mudou de canal, o noticiário: guerras pelo mundo, explosões de gás em apartamentos da zona sul do Rio de Janeiro, miséria na África.... Muda de canal: uma série policial, nem pensar.... Desligou a TV e pegou o romance que estava há meses pela metade. Às 4h30 sentiu sono e finalmente dormiu. Acordou às 10h00 já atrasada para o trabalho...... Tinha medo de errar, mas ao mesmo tempo sentia-se preparada para sua grande chance.
Maquiagem. Holofotes.
“Gravando”!
Com uma carga emocional fortíssima, conseguiu transmitir ao diretor da novela, apesar de seus 32 anos apenas, toda a angústia que aquela mulher de 40 poderia estar sentindo. Ao ler o roteiro achou Manuela simplesmente incrível: sua coragem, ousadia, alegria, espírito de aventura, fidelidade aos seus sonhos e a si mesma. Quem dera chegasse aos 40 com tamanha experiência de vida! Mas tinha que entrar no personagem e, depois de muito quebrar a cabeça, conseguiu.
Denise Veiga era a mais nova protagonista da novela das 8. Culpa da incrível personagem Manuela, que abriu a sua mente e a fez sonhar.
Verônica Tratch.