A INSÔNIA

Maria não conseguia dormir. Além do cheiro de cigarro forte que vinha do apartamento do vizinho, certamente outro insone, ela tinha mil ideias na cabeça e preocupações também: estava para receber uma promoção no trabalho, que não sabia se ia acontecer ou não, tinha brigado feio com o namorado, quase um término de relacionamento, precisava preparar uma grande campanha publicitária para a agência onde trabalhava e vira e mexe acordava com algo novo para anotar, e não esquecer, perdendo completamente o sono. Isso fora ter encontrado Zezinho, o grande amor de sua adolescência, na rua, casado com uma baranga gorda, ele também obeso, desempregado e pai de dois filhinhos horrorosos e que não paravam de gritar; enquanto ela, mais bonita e magra que na adolescência, bem empregada e com um namorado lindo. Muitas mulheres em seu lugar sentir-se-iam vingadas, mas aquela imagem de decadência total a deprimiu: era melhor não ter visto.

Passou a noite revirando-se na cama, até que o despertador tocou às 7. Ela se arrumou correndo para o trabalho, pegou o carro, notou que estava sem gasolina e teve que parar no posto já atrasada, aproveitou para tentar falar com Reginaldo, o tal namorado estressado, mas ele não atendia o celular, saiu cortando todos os outros carros no trânsito e sendo xingada e multada – mais um motivo para insônia, pensar na quantidade de multas que tomou naquela manhã – mas conseguiu chegar a tempo para sua reunião.

Maria tinha muito bom gosto para se arrumar: eram sempre jaquetas bem cortadas, cores sóbrias, saias de bom tecido na altura dos joelhos, que modelavam seu corpo magro, mas muito bem desenhado. O cabelo estava sempre impecável, num tom de ruivo natural invejável, quase um loiro acobreado.

A reunião começou. Seu chefe, sempre mal humorado, naquela manhã estava especialmente ranzinza : será que também teve insônia, pensou? Alice, sua rival na agência e também candidata à mesma promoção almejada por Maria, começou sua impecável apresentação. Alice não era tão criativa, mas  muito mais organizada e sabia expressar suas ideias  melhor, o que na maioria das vezes fazia parecer com que  seu trabalho tivesse mais qualidade, o que nem era verdade. Maria, no meio de sua desorganização e insônia, tinha muito mais criatividade, ideias revolucionárias e divertidas que sempre agradavam aos clientes da agência, mas não as sabia expressar tão bem. A apresentação de Alice seguiu o padrão habitual. Maria brilhou como uma estrela e apesar da insônia conseguiu desenvolver bem o tema proposto.

Às 18h00 voltou para casa exausta. Mais uma vez deu um bico na academia, que ela pagava inutilmente todo mês, porque jamais tinha pique pra ir, ligou para Reginaldo em vão, porque mais uma vez o namoradinho temperamental recusou-se a atender o telefone , tomou um banho de banheira relaxante com vários cremes e sais e deitou-se no sofá para ler o jornal.

Apagou ali mesmo e acordou do nada às 3 da manhã. Tinha deixado o celular no silencioso e viu cinco chamadas perdidas de Reginaldo, todas feitas por volta das 22h00 – é agora que meu namoro vai para o brejo mesmo, pensou. De repente o cheiro de cigarro. Meu vizinho insone, pensou ela.

Tomou mais um banho morno para tentar relaxar, refresco de  camomila, calmante: nada a fazia dormir. Deu vontade de bater na porta do vizinho, afinal de contas, o que ela faria às 3 da manhã: televisão, internet? Mas o que ela diria ao tal vizinho insone, já que jamais havia  visto o seu rosto, apesar de já serem vizinhos há mais de dois anos?

Maria pensou: “Vou bater na porta e depois improviso”. Ela se arrumou, penteou os cabelos, tomou coragem e tocou a campainha. Quando já se arrependia e quase ia embora, a porta se abriu. “Oi!”, disse o vizinho insone, todo animadinho. Moisés era um tipo esquisito: tinha uma pilha de livros em casa - segundo ele ainda não tinha lido nem metade - era professor de Literatura em uma escola estadual e outra particular e virava a noite corrigindo provas e fumando. Era charmosamente mal vestido, com um jeans desbotado e uma camiseta velha que o deixavam ainda mais atraente. Aparentava ter por volta dos 28 anos, mesma idade dela, e era dono de um sorriso sem igual. “Como não nos conhecemos antes?”, disse Maria, toda satisfeita. E viraram a noite conversando, um fazendo companhia à insônia do outro.

Verônica Tratch